Quem passa pela Rua Heráclito, em Fazenda Grande IV, bairro de Cajazeiras, pode não imaginar a força cultural que existe ali. Em um trecho de apenas 925 metros, estão concentrados 15 terreiros de candomblé, formando um dos maiores agrupamentos religiosos de matrizes africanas da cidade. Fora dessa extensão, pelo menos outros cinco funcionam na região.
Em dezembro do ano passado, os terreiros viveram um momento de tensão. Máquinas pesadas de uma construtora começaram a escavar parte da área, colocando em risco 17 casas de axé. O povo de santo relatou ameaças e ainda viu objetos sagrados e assentamentos serem destruídos.
A mobilização da comunidade e a atuação de autoridades impediram a continuação das obras. Foi um episódio que mostrou, mais uma vez, a resistência e a importância da fé em Cajazeiras.
Para quem vive e cultua na Rua Heráclito, não há dúvida: o espaço tem uma energia única.
“Existe uma questão de chamado. Nós somos escolhidos o tempo todo, não escolhemos o nosso destino, é o axé que nos escolhe. Aqui, nós encontramos uma terra viva, uma terra de axé”, conta Paula, uma das integrantes da comunidade religiosa.
A maioria dos terreiros da rua pertence à nação Keto, que utiliza o iorubá em seus preceitos. Quatro são da nação Angola. Todos dividem o espaço em harmonia, valorizando a nascente de água existente no local e as árvores que fornecem folhas usadas nos rituais.

Por que Cajazeiras?
Segundo pesquisadores e líderes religiosos, a concentração de terreiros em áreas como Cajazeiras tem relação direta com a história de Salvador.
“Houve uma migração para locais onde tivesse vegetação, nascente e condições de realizar os atos com mais liberdade, sem barulho e sem água contaminada. A expansão imobiliária e o desmatamento empurraram os terreiros para os bairros periféricos”, explica Evilasio da Silva Bouças, presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras de Salvador.
Dados do Mapeamento dos Terreiros de Salvador, realizado pelo CEAO/Ufba em 2008, já mostravam Cajazeiras entre os cinco bairros com maior número de casas de axé: eram 46 terreiros, com crescimento de dois novos espaços a cada ano.
Identidade viva
Para o antropólogo e babalorixá Vilson Caetano, o que atraiu tantas casas para Fazenda Grande IV foi o baixo custo da terra e a proximidade com recursos naturais.
Hoje, mais do que um espaço geográfico, a Rua Heráclito se tornou um símbolo da resistência, ancestralidade e identidade negra em Cajazeiras.
Com informações do jornal Correio da Bahia;